Leis, projetos, debates e outras iniciativas do Legislativo buscam valorizar a contribuição do povo negro para o estado, promover acesso a direitos e garantir igualdade de oportunidades
Vozes pretas: ações da Ales dão visibilidade à luta do povo negro – Jornada Antirracista da Ales é voltada a debates e reflexões sobre a vida do povo negro
Do ponto de vista do Legislativo capixaba, é possível enumerar nos últimos anos diversas ações em defesa da igualdade racial promovidas pelos parlamentares – atividades políticas, audiências públicas, leis – atendendo as demandas originadas do movimento negro, associações, quilombos, centros culturais e religiosos, entre outros.
A violência é um dos temas em foco quando se trata do recorte racial e de gênero. A vulnerabilidade de pessoas negras, em especial mulheres, motivou a lei que cria a Semana Estadual de Enfrentamento à Violência de Gênero e Raça, cuja jornada acontece anualmente entre os dias 8 e 14 de março. A autora, deputada Iriny Lopes (PT), justifica a medida:
“Neste Dia da Consciência Negra, precisamos falar abertamente sobre como o racismo tenta calar as vozes das pessoas negras, especialmente as vozes das mulheres negras na política. O racismo estrutural no Brasil continua a ser a principal barreira para a cidadania plena do povo negro, e ele se manifesta muitas vezes de forma brutal. A violência política de gênero e de raça é real e assusta. Por isso, a nossa lei que cria a Semana de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça é tão importante. Ela é uma ferramenta concreta. Ao instituir esta semana no calendário oficial, homenageando a memória de Marielle Franco, nós dizemos que o Espírito Santo não tolerará o racismo e a misoginia na política”, observa Iriny.
Espaço político
A deputada Camila Valadão (Psol), única deputada autodeclarada preta entre as quatro parlamentares com assento na Ales, tem se manifestado com contundência em defesa do povo negro, inclusive na política. “O nosso povo, o povo negro, sobreviveu às capturas, aos sequestros, aos açoites, às senzalas, às correntes e aos projetos inclusive de morte, de eugenia, que queria, entre outras coisas, para além da nossa morte, o fim da nossa existência. (…) é nessa sociedade racista que espaços como esse aqui [o Parlamento] não eram desejados para negros e negras”, ilustrou a deputada em audiência pública sobre enfrentamento à violência de gênero e raça.
Educação e resistência
Resgate, defesa, preservação e difusão das tradições culturais e religiosas afro-brasileiras são desafios permanentes para os negros diante do racismo estrutural e das desigualdades social e econômica profundas. É nesse cenário adverso que atua o povo negro na afirmação de sua identidade e a Ales tem sido caixa de ressonância das demandas vindas dessa população.
Como forma de apoiar entidades que atuam em prol das tradições do povo negro e contra o racismo, o Legislativo capixaba tem conferido o status de utilidade pública a esses atores. Com esse título, além de reconhecimento público, a entidade adquire o direito de acesso a recursos públicos para desenvolver suas atividades.
Esses recursos possibilitam potencializar o trabalho social. É o caso do Instituto Negro Sou, de Linhares, conduzido pela professora de português do ensino municipal Ana Paula Ricardo.
As atividades do Negro Sou são voltadas para uma educação antirracista, com foco no cumprimento da Lei 10.639/2003, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas do país. Conforme comenta Ana Paulla Ricardo, esse trabalho busca fortalecer o povo negro emocional e culturalmente para ocupar espaços negados.
“Esse processo não apenas enfrenta o racismo, mas também rompe ciclos de invisibilidade, devolvendo dignidade, protagonismo e orgulho racial.
Assim, se materializa quando transformamos denúncia em consciência, e consciência em ação”, esclarece Ana Paula.
Ela explica que o instituto não apenas oferece serviços, mas “a partir dele construímos dignidade, identidade, autoestima e novos caminhos para essas pessoas”.
Já a condição de utilidade pública da entidade, gera confiança da sociedade, dá acesso a editais, atrai parcerias e mostra a realidade do impacto social, diz Ana Paula.
Cultura
Outro exemplo é a Associação Centro Cultural Patrimônio dos Pretos – Grupo Senzala Mestre Rafael Flores Viana, de Ecoporanga, cujo presidente é o militante Herlivaldo Gomes dos Santos, o Branco, como é chamado. O Patrimônio dos Pretos também recebeu a condição de utilidade pública pela Ales.
Branco expõe a ênfase dada ao trabalho cultural do Patrimônio dos Pretos. As atividades se concentram em oficinas de artesanato para a fabricação de instrumentos musicais, capoeira, dança e artes em geral, que fortalecem a identidade negra.
“Promovemos oficinas, eventos, ações sociais e atividades que dão voz e oportunidade para jovens, crianças e famílias. Queremos que cada pessoa negra se reconheça, se orgulhe e se veja como parte fundamental da história do Brasil”, conta.
Além dos benefícios financeiros trazidos pela condição de utilidade pública do centro cultural, Branco considera que o apoio ao trabalho do Patrimônio dos Pretos contribui para a inserção social da comunidade na sociedade.
“Fortalece nossa imagem perante a sociedade e outros parceiros. Esse título abre porta gigante para projetos culturais e sociais, pois transmite organização, transparência e responsabilidade. E isso faz diferença na captação”, considera o presidente da associação.
Tradições preservadas
Outra lei de iniciativa da Ales para o fortalecimento da cultura e das tradições negras é a que institui no Espírito Santo o Dia do Trancista, a ser celebrado, anualmente, em 6 de junho. A autora do projeto, deputada Camila Valadão, explica a arte de trabalhar com cabelos crespos.
“As tranças africanas representam um legado ancestral e simbolizam resistência e empoderamento para as comunidades negras. Ao instituir essa data, reconhecemos a importância dessa expressão cultural, combatemos estereótipos e fomentamos a discussão sobre a identidade afro-brasileira”.
Já o dia 12 de dezembro, por proposta do ex-deputado Lucas Scaramussa (Podemos), foi definido como o dia da valorização do Congo, Jongo, Folia dos Reis e Ticumbi capixaba, que são diferentes danças com raízes africanas.
A cultura africana da parte mais ao sul (Angola) e a leste (Moçambique) do continente africano – uma das regiões de onde vieram os negros escravizados – foi contemplada com o Dia Estadual da Cultura Bantu. A iniciativa foi do deputado Sergio Meneguelli (Republicanos).
Essas iniciativas ilustram um conjunto de propostas apresentadas pela Assembleia Legislativa para o combate ao racismo estrutural e em busca de sua reparação histórica.
Jornada Antirracista
“Empretecer a Ales”. Assim a deputada Camila Valadão definiu o propósito da 1ª Jornada Antirracista, realizada na Casa em 2023. Com debates, lançamentos de livros, manifestações culturais, feira de produtos afro e outras atividades, a programação chama atenção para temas caros ao povo negro, como acesso à terra, educação, políticas para a juventude, saúde, moradia e emprego.
O sucesso foi tanto que a Ales seguiu com a jornada em 2024 e prepara a terceira edição, que acontece no próximo dia 28. O tema em foco, dessa vez, é a educação antirracista.
Foto: Lucas S. Costa


