O Pó Preto de Vitória: Uma Crise Ambiental e de Saúde Pública

Por João Simas
A cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, enfrenta, há décadas, uma crise ambiental que tem gerado preocupações significativas entre os moradores sem as devidas atenções das autoridades. O pó preto, uma mistura de partículas sedimentáveis provenientes de atividades industriais, da Ponta de Tubarão, tem sido alvo constante de denúncias, investigações, ações judiciais e até quatro CPI’s, destacando a luta da sociedade pela qualidade do ar e a saúde pública.
O Contexto
No dia 18 de dezembro de 2023, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) e o Ministério Público Federal (MPF-ES) notificaram o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA-ES), a Vale e a ArcelorMittal Brasil. As notificações exigem a apresentação de um plano de contingência para controlar a emissão de poeira sedimentável, especialmente durante o verão e em condições climáticas adversas. As empresas têm 15 dias para responder com um plano detalhado e um relatório de análise do material sedimentável recolhido nos últimos seis meses. “Até a presente data, a sociedade desconhece respostas dos órgãos notificados pelos ministérios públicos do âmbito estadual e federal”, informa Moreschi.
Essa ação é um passo crucial para garantir que as empresas responsáveis pela emissão de poluentes tomem medidas concretas para mitigar os impactos ambientais. A exigência de um plano de contingência detalhado visa assegurar que, independentemente das condições climáticas, os níveis de poluição sejam mantidos nos menores patamares possíveis, protegendo assim a saúde da população.
A Lei Municipal e a Controvérsia Judicial
O prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) sancionou a Lei nº 10.011/2023, que estabelece políticas de proteção da qualidade do ar em Vitória, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, a Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes) contestou a lei, alegando prejuízos financeiros e a inconstitucionalidade da medida. O desembargador Fernando Zardini Antonio concedeu uma liminar favorável à Findes, argumentando que a competência para legislar sobre a qualidade do ar pertence ao estado e à União.
Essa decisão judicial levanta questões importantes sobre a autonomia municipal e a capacidade das cidades de implementar políticas ambientais mais rigorosas do que as estabelecidas pelos governos estadual e federal. A liminar concedida pelo desembargador Zardini reflete um conflito entre interesses econômicos e a necessidade de proteger a saúde pública e o meio ambiente.
Impactos na Saúde
A poluição do ar é um problema global que causa milhões de mortes anualmente. Em 2021, a poluição do ar foi responsável por 8,1 milhões de mortes, incluindo 169,4 mil crianças menores de cinco anos. As partículas PM2,5, com diâmetro de 2,5 micrômetros, são particularmente perigosas, pois podem penetrar nos pulmões e na corrente sanguínea, aumentando os riscos de doenças crônicas como doenças cardíacas, derrames, diabetes e câncer de pulmão.
A publicação menciona o Brasil pelo aumento em mais de 10% nas exposições ao ozônio ambiental na última década, ao lado de países como Índia, Nigéria e Paquistão. Acima de 90% do total global das mortes por poluição do ar são provocadas pelas chamadas PM2,5. A presença dessas partículas pode aumentar os riscos de enfermidades crônicas em adultos, como doenças cardíacas, derrame, diabetes, câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica.
Estudos realizados no estado de São Paulo demonstram que a poluição do ar afeta não apenas o sistema respiratório, mas também pode causar problemas como baixo peso ao nascer, incidência e mortalidade por câncer, partos prematuros e anemia falciforme. Mesmo quando os poluentes estão abaixo dos níveis determinados pela legislação, eles ainda podem provocar efeitos adversos na saúde.
A Luta por Justiça e Prioridade Judicial
No último dia 3 de agosto, Eraylton Moreschi Junior, um ambientalista de 70 anos, entrou com um pedido de prioridade na tramitação do processo nº 5015404-07.2023.8.08.0000, com base na Resolução nº 28/2004 do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), na condição de interessado. A resolução garante prioridade na tramitação de processos judiciais para pessoas com 60 anos ou mais. “Cada dia que passa sem ação é um dia em que mais pessoas sofrem”, declara Moreschi. “Entrei com o pedido pessoal, representando todos os cidadãos das regiões impactadas pelo pó preto, como determina o direito à tramitação prioritária. Ainda indignado, questiona: ‘Há sete meses, a lei municipal de Vitória está suspensa, devido à liminar do desembargador, colocando em risco a saúde de crianças e idosos. Infelizmente, crianças de 0 a 5 anos não têm prioridade. Aproximadamente 2 mil crianças, com a faixa etária, morrem por dia no mundo pela poluição do ar.’” Explica Moreschi.
A luta de Moreschi em buscar justiça reflete a urgência da situação. A poluição do ar não é apenas um problema ambiental, mas uma questão de saúde pública que afeta diretamente a qualidade de vida dos moradores de Vitória e de todo o estado e também os cofres públicos. A prioridade na tramitação do processo é essencial para garantir que medidas efetivas sejam implementadas o mais rápido possível.
A batalha pela qualidade do ar em Vitória é um reflexo das complexas interações entre desenvolvimento industrial, saúde pública e legislação ambiental. Enquanto as autoridades e empresas implementam soluções ineficientes, a população continua a sofrer os impactos da poluição. A sociedade cobra transparência e eficácia nas medidas adotadas, pois são cruciais para garantir um futuro mais saudável para todos.