Quando a barbárie vence, todos perdem

 Quando a barbárie vence, todos perdem

A tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro esta semana não pode ser tratada como mais uma operação policial. O número de mortos ultrapassa cem pessoas, entre elas quatro policiais, dezenas de feridos e comunidades inteiras em choque. A cena que se repete é sempre a mesma: uma promessa de combate ao crime que termina em sangue, medo e destruição. O resultado é conhecido. O Estado perde. A sociedade perde. O país perde.

Quando o Estado responde à violência com mais violência, o que se vê é o enfraquecimento de suas próprias bases. A força que deveria proteger se torna motivo de desconfiança. A operação, considerada desastrosa por especialistas em segurança pública, mostrou o quanto a ausência de planejamento e inteligência transforma uma ação policial em tragédia. Nenhum governo que se propõe a garantir a lei pode agir de forma que faz parecer que a lei deixou de existir.

O custo humano e social dessas operações é imenso. Escolas fechadas, comércios parados, trabalhadores impedidos de sair de casa, famílias em desespero. Cada criança que cresce vendo helicópteros atirando sobre a favela entende uma mensagem clara: a vida ali vale menos. E esse tipo de trauma não desaparece. Ele se acumula, se transmite, se transforma em revolta e medo.

O discurso de que a barbárie é necessária para enfrentar o crime é uma falácia perigosa. Em nome da segurança, abre-se espaço para a exceção, para o abuso e para a banalização da morte. O Estado que mata para afirmar poder é o mesmo que perde a legitimidade para governar. A sociedade que assiste em silêncio normaliza o horror e se acostuma a conviver com a injustiça.

O Rio de Janeiro, que já foi símbolo de alegria e resistência, agora carrega o peso de uma guerra que não escolheu. Cada vida perdida é uma ferida aberta na democracia. Nenhum resultado operacional justifica cem corpos no chão. A violência, travestida de política de segurança, destrói lares, alimenta o ódio e isola as comunidades que mais precisam de presença pública.

As consequências vão além do imediato. A imagem do Estado brasileiro se desgasta perante o mundo. O turismo, os investimentos e a confiança em nossas instituições são corroídos pela percepção de que vivemos em um país onde o direito à vida é relativo. A cada nova chacina, a esperança de um futuro diferente parece mais distante.

Mas há um caminho. Ele passa pela reconstrução de políticas públicas que unam segurança e cidadania. Inteligência, prevenção, educação e inclusão devem ser as bases de uma nova estratégia. É preciso ouvir as comunidades, reconstruir a confiança, garantir transparência e responsabilização. O Estado precisa ser forte, mas também justo. E a força da justiça não se mede em cadáveres, e sim em dignidade.

O que aconteceu no Rio de Janeiro não pode ser normalizado. A barbárie não pode ser política pública. Quando o poder público escolhe a força bruta, o resultado é sempre o mesmo: o crime continua, o medo cresce e o Estado se perde de si mesmo. É hora de reconhecer que a violência não nos salva. Só a humanidade pode fazer isso.

Foto: Silvia Izquierdo (AP)

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