Primeira infância: ou o Brasil cuida agora, ou continuará remendando os danos depois

 Primeira infância: ou o Brasil cuida agora, ou continuará remendando os danos depois

Na próxima terça-feira (15), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo fará algo raro no cenário político: voltará os olhos, os microfones e — espera-se — as decisões concretas para quem ainda não sabe votar, nem reclamar em audiência pública. O foco será a primeira infância, período entre o nascimento e os seis anos de idade, que deveria ser tratado como prioridade absoluta em qualquer sociedade civilizada. Mas sabemos: entre o que deveria ser e o que é, existe um abismo.

A reunião contará com representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Subsecretaria de Articulação Política Intersetorial. A proposta é debater temas como educação infantil, cuidado, prevenção à violência e os planos municipais para a primeira infância. A oportunidade não poderia ser mais simbólica: o mês de julho marca os 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma das leis mais avançadas do mundo no papel — mas que segue sendo ignorada nos becos, nas filas de creche e nas páginas da LOA.

A deputada Camila Valadão (Psol), presidente da comissão, acerta ao lembrar que criança não é futuro — é presente. E que a infância não pode ser tratada como fase “menor” da cidadania. Quando o poder público se omite, é o ciclo da exclusão que se perpetua: crianças pobres sem acesso a educação de qualidade crescem com menos oportunidades, mais vulnerabilidade e, adiante, se tornam estatística nos noticiários que adoram falar em “insegurança”, mas nunca em “negligência institucional”.

Há quem torça o nariz para esse tipo de pauta, como se falar em infância fosse “coisa de assistente social”. Não é. É questão de política pública estratégica, de planejamento nacional, de sobrevivência coletiva. Investir na primeira infância não é caridade. É inteligência. Crianças bem cuidadas hoje significam menos evasão escolar, menos criminalidade, menos sobrecarga no SUS e no sistema penal amanhã.

Mas nada disso será possível se os planos municipais para a primeira infância continuarem sendo arquivos PDF esquecidos nas gavetas digitais das prefeituras. É preciso cobrar, acompanhar, e, principalmente, financiar. Não se cuida de criança com boas intenções. Cuida-se com políticas estruturadas, articuladas entre as pastas de saúde, educação, assistência social e cultura — e com orçamento digno, não com migalhas.

Que a audiência de terça-feira não seja apenas mais um evento para inglês ver. Que gere deliberações, metas e prazos. E que o Legislativo capixaba inspire outros Estados a romperem com a lógica da omissão disfarçada de burocracia.

Porque se o Brasil continuar falhando com quem mais precisa, a história cobrará — e com juros de crueldade.

 

Foto: Gustavo Mansur/Pref. Pelotas (RS)

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